Imunodeficiências primárias: Novas Variantes

As imunodeficiências primárias (IDP), mais conhecida atualmente como Erros inatos da imunidade (EII), são conjuntos de distúrbios do sistema imunológico relacionados a variantes genéticas prejudiciais. O sequenciamento genético é uma das principais ferramentas para identificar variantes no genoma de pacientes com esta doença.

Saiba o que são as imunodeficiências primárias, quais são as novas variantes genéticas relacionadas com a doença e como é feito o diagnóstico. 

O que causam os erros inatos da imunidade (imunodeficiências primárias)?

Erros inatos da imunidade  ou imunodeficiências primárias  são causados por mutações que resultam em perda (LOF) ou ganho de função (GOF) de moléculas-chave que participam da resposta imune. Essas moléculas também estão envolvidas no aumento da suscetibilidade à infecção, auto inflamação, autoimunidade, malignidade ou alergia.  

Os primeiros erros inatos da imunidade foram relatados na década de 1950 e, desde a década de 1970, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu o Comitê de Erros Inatos da Imunidade (International Union of Immunological Societies Expert Committee of Inborn Errors of Immunity).

Como os Erros Inatos da Imunidade (imunodeficiências primárias) são classificados?

Com o objetivo de classificar e identificar defeitos imunológicos em humanos, o comitê compreende imunologistas clínicos pediátricos e adultos, clínicos/cientistas e pesquisadores em imunologia básica de todo o mundo. Com isso, o comitê publica um relatório atualizado aproximadamente a cada 2 anos para informar o campo desses avanços 

Existem mais de 400 genes relacionados como erros inatos de imunidade, e atualmente são classificadas em 10 grupos, que são:: 

Imunodeficiências que afetam a imunidade celular e humoral; Imunodeficiências combinadas com características associadas ou sindrômicas;Deficiências predominantemente de anticorpos; Doenças de desregulação imune; Defeitos congênitos do número de fagócitos; Defeitos na imunidade intrínseca e inata; Distúrbios autoinflamatórios; Deficiências do complemento; Doenças de falência da medula óssea;Fenocópias de doenças de imunodeficiência primária. 

Imunodeficiências clássicas

As imunodeficiências clássicas incluem distúrbios da imunidade humoral (afetando a diferenciação de células B ou produção de anticorpos), defeitos de células T e defeitos combinados de células B e T, distúrbios fagocíticos e deficiências do complemento. 

Esse grupo de doenças eram tradicionalmente consideradas doenças raras, afetando ~ 1 em 10.000 a 1 em 50.000 nascimentos. No entanto, com a descoberta contínua de novos erros inatos de imunidade  e melhor definição de fenótipos clínicos , a prevalência dessas condições atualmente é de pelo menos 1/1000-1/5000. 

É importante ressaltar que os avanços moleculares, genética e imunologia celular permitiram uma definição muito mais precisa de várias formas de erros inatos da imunidade. O uso de sequenciamento de nova geração (NGS) permitiu a identificação de um número crescente dessas doenças. 

Imunodeficiências não-clássicas

Em nível molecular, foi demonstrado que grande parte das imunodeficiências primárias podem ser causadas por variantes em diferentes genes (heterogeneidade de locus), diferente de antigamente que eram doenças predominantemente monogênicas. 

Mais surpreendentemente, variantes patogênicas distintas no mesmo locus também demonstram causar diferentes formas de erros inatos da imunidade. 

Exemplos de Imunodeficiências primárias não clássicas são os distúrbios categorizados em: 

“doenças de desregulação imune”, “defeitos na imunidade intrínseca e inata” e “distúrbios autoinflamatórios”. 

“Defeitos na imunidade intrínseca e inata” incluem 

suscetibilidade mendeliana à doença micobacteriana (MSMD), epidermodisplasia verruciforme (EV: suscetibilidade ao HPV), predisposição a infecção viral grave, encefalite por herpes simples (HSE), predisposição a doenças fúngicas invasivas, predisposição a infecções mucocutâneas candidíase, deficiência da via de sinalização TLR com suscetibilidade bacteriana, Erros inatos de imunidade relacionados a tecidos não hematopoiéticosErros inatos de imunidade relacionados a leucócitos.   

A importância do diagnóstico

O diagnóstico precoce da IDPs é fundamental para prevenir morbidade significativa associada à doença e até mesmo mortalidade.

No entanto, uma pesquisa nacional  nos Estados Unidos descobriu que mais de 40% dos pacientes com esses distúrbios não foram diagnosticados até idade adulta, apesar de muitos relataram condições de saúde graves ou crônicas antes de diagnóstico, como sinusite, bronquite e pneumonia.

Em 2009, a Jeffrey Modell Foundation, uma organização com sede nos EUA, mas representada em 39 países, incluindo Brasil, dedicada à investigação e tratamento das imunodeficiências primárias, lançou uma campanha de divulgação e sensibilização para o reconhecimento destas patologias através de vários cartazes, “os 10 sinais de alerta de imunodeficiência primária” (www.info4pi.org) é o mais conhecido até hoje e muito compartilhado.

Estes sinais incluem: 

infecções de repetição, nomeadamente otites;rinossinusites e pneumonias; infeções graves como por exemplo osteomielites, meningites, celulites e septicemia;necessidade de antibioterapia prolongada e endovenosa; atraso de desenvolvimento estaturo ponderal na criança; abcessos cutâneos profundos e recorrentes ou em órgãos internos; candidíase oral persistente ou infecção fúngica cutânea; história familiar de imunodeficiência. 

Como são identificadas as variantes patogênicas relacionadas a Erros Inatos da Imunidade?

A abordagem típica para identificar uma variante patogênica é primeiro empregar o sequenciamento em painel de genes específicos, como prática médica padrão. Então, caso o gene causador não seja identificado, é realizada a análise de todo o exoma/genoma (WES/WGS). 

Além disso, o mapeamento baseado em RNA-seq e a identificação de mutações também têm sido empregados para detectar mutação de splice, nível alterado de expressão e translocação. 

O uso de uma pipeline para chamar uma nova variante patogênica, quando a variante não tenha sido relatada e é um caso único, é de extrema importância outras fortes evidências de apoio devem ser acompanhadas. 

Por exemplo, variantes genéticas devem resultar em deficiência ou alteração da expressão ou função do gene. Os defeitos funcionais devem ser reproduzidos em uma linha celular modelo ou em um modelo animal relevante. Estes também servem como critérios para inclusão na classificação do comitê. 

Distúrbios graves como SCID requerem terapia para reconstituição imune o mais rápido possível depois do diagnóstico. Exemplos destas terapias incluem transplante de células-tronco hematopoiéticas ou transplante de medula óssea.

Os distúrbios de deficiência de células B ou anticorpos são os tipos mais comuns de imunodeficiências primárias,  pacientes com esses distúrbios recebem a reposição de Ig. Pacientes com imunodeficiência inata se apresentam com infecções incomuns ou difíceis de erradicar. 

O tratamento varia de acordo com o tipo de defeito (por exemplo, distúrbio fagocitário ou complemento deficiência), mas pode envolver antifúngicos e antibióticos profilaxia, reposição de citocinas, vacinação e Transplante de Medula Óssea..

Mutações somáticas podem se assemelhar a Erros Inatos da Imunidade

Também é importante ser capaz de detectar mutações somáticas. Defeitos imunológicos causados por mutação somática não são, por sua definição, “erros inatos da imunidade”, mas mimetizam esse tipo de doença, por isso são chamados de fenocópia de imunodeficiências primárias. 

Exemplos incluem doença linfoproliferativa autoimune associada a Ras (ALPS)-like (RALD) e um tipo de ALPS com mutação somática de FAS. A detecção e quantificação das células com uma mutação também pode ser feita por NGS  ou com a tecnologia de sequenciamento de amplicon/PCR. 

O que esperar das pesquisas sobre Erros Inatos da Imunidade (imunodeficiências primárias) ? 

Os últimos dez anos testemunharam um progresso gigantesco no campo das imunodeficiências primárias . O sequenciamento de nova geração proporcionou o melhor entendimento molecular, mas ainda assim, muitos pacientes com fenótipos de imunodeficiência grave permanecem sem diagnóstico molecular. 

Dada a contínua queda de preços do NGS, é provável que a lista de genes associados à imunodeficiências primárias continue a se expandir. 

Nesse cenário, a caracterização fenotípica completa e testes funcionais são fundamentais para identificar novos genes associados ao IDP.

Identificar uma causa genética e seus caminhos moleculares é importante para aplicar e desenvolver terapias direcionadas  e estabelecer medicina de precisão para esses pacientes. 

Considerando todos os avanços dos últimos anos em NGS e testes imunológicos, vários erros inatos da imunidade estão sendo descobertos. Com a inovação e otimização das tecnologias de edição de genes se tornará possível melhorar a eficácia da terapia genética e elucidar os mecanismos biológicos associados a imunodeficiências primáriass. 

Avanços recentes na tecnologia de edição de genes, análise de célula única, manipulação de Células-tronco pluripotentes induzidas (IPS) e sistemas de linha de modelos celular/animal  permitiram realizar validações funcionais com relativa facilidade.

Com citometria de fluxo multiparâmetro ou citometria de massa, informações abundantes de superfície/intracelular podem ser obtidas com um pequeno número de células. 

ChIP-Seq agora pode ser substituído por CUT&RUN ou por CUT&TAG que requer muito menos células em comparação com ChIP-Seq. Estas tecnologias disponíveis e em desenvolvimento irão agilizar a descoberta de mais variantes patogênicas. 

Conclusão

O número de desordens que estão sendo descobertas vem crescendo bastante nos últimos anos. Grandes estudos de associação de base populacional, estão sendo lenta, mas seguramente, convertidos à descoberta de novos tipos de Erros inatos da imunidade,. 

Uma característica importante desses pacientes é  seu alto nível de heterogeneidade genética. De fato, esses estudos  baseados em pacientes deram início a outros tipos de estudos, visando melhor diagnosticar os pacientes e descrever de forma mais eficiente suas características, melhorando assim o aconselhamento genético. 

O progresso na genética molecular e imunologia celular também resultou no desenvolvimento de métodos preventivos inovadores e terapêuticos.

Com isso, em alguns anos acredita-se que a taxa e o tempo de diagnóstico, bem como o tratamento desses pacientes serão realizados em um tempo mais curto e mais eficaz, dando uma melhor qualidade de vida a eles e salvando vidas. 

Referências

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Autor: Rafael de Albuquerque — Projeto Genomas Raros

Como participar

Pacientes brasileiros que atendam aos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos para cada patologia e sob seguimento em um centro de referência de doença rara do SUS podem participar da pesquisa.

Os pacientes devem procurar atendimento nos centros de referência de doenças raras credenciados pelo Ministério da Saúde (consulte a lista), e discutir com o seu médico se a participação no projeto é adequada. Uma vez que o profissional responsável de cada instituição participante identifique um paciente com os critérios de inclusão, a ele será oferecido um Termo de Consentimento Livre e esclarecido para que ele tenha a oportunidade de participar do projeto “Genoma Raros”.